Olhou para as sapatilhas: Lindas, vermelhas. As fivelas, delicadas, tinham o formato de joaninha. Era sem sombra de dúvidas seu par de sapatos favorito. Tentou mais uma vez... como doía apertar-lhes contra os dedos, mesmo com estes encolhidos, não estava fácil entrar. Por fim, conseguiu! Doía um pouco, andaria menos... Não importava, não poderia abrir mão destes sapatos.
Com eles foi, pela primeira vez, ao grande teatro, levada pelas mãos de sua tia. Combinavam com as roupas mais bonitas, ficavam lindos com seus jeans da moda, e também com os vestidos, inclusive o branco rendado, que usara em sua festa de aniversário. Estavam presentes, emoldurando seus pés, em tantas e tantas fotos, fotos de tantos e tantos momentos felizes. Não podia se desfazer assim desta sapatilha, justo desta? Lembrou de sentir-se leve usando-a, correndo, fingindo-se bailarina, nas pontas dos pés...
Olhou o solado, tamanho 32. Calçava ela agora 33/34. Chorou! A mãe, vendo Sofia tão sofrida, tentou ajudar. Procuraremos outra sapatilha igual. Foram às lojas, entraram em contato com o fabricante... nada! Até encontraram novos pares em vitrines, só que a numeração encerrava-se no 32. Não havia tamanho maior para aquele modelo.
Sofia chorou, sofreu. Por que abdicar de seus sapatos favoritos? A vida não era justa...
Quantas vezes agimos como Sofia em nossas vidas? E não falo do jeans 38 quando agora usamos 42... Falo de ideias, de pessoas, de situações. Quantas vezes crescemos, não cabemos mais naquele antigo pensamento, e ainda assim fazemos questão de desfilar, com dedos apertados, em nome do "eu sou assim"?
Crescer dói. É necessário refletir e perceber o que deve caminhar conosco e o que deve ficar para trás. Nunca somos os mesmos. Às vezes precisamos passar por grandes provações para mudarmos, outras vezes basta um livro, uma conversa, e uma nova percepção sobre o mundo se abre para nós. Quando isso acontece, é hora de ir em frente. Abandonar as velhas crenças, velhas ideias, sem medo. Sem crises de consciência. Sem apegos vãos. Por que insistir em ideias ou rotinas que já não nos acrescentam? Se você já não se sente feliz numa tarefa, executa por simples ação do hábito, é hora de trocar seus sapatos. Estes, estão menores que seus pés.
Com amigos dá-se o mesmo. Não falo de sermos ingratos, frívolos, nada disso. Há amigos que nos são vitais em certos pontos de nossas vidas. Em determinado momento, entretanto, seguimos caminhos diversos. Isso é natural. As experiências são individuais. Cada um as processa a seu modo. Quando tudo o que conseguimos com um amigo é "relembrar os bons tempos", sem criar novos tempos, é hora de seguir. Encontrá-lo de vez em quando, trocar e-mails ou mensagens de orkut, facebook, twitter ou seja lá qual nova moda surgir. Agora, por que forçar o convívio se nada mais se acrescenta? Vocês cresceram, e foram para lados opostos.
Se Sofia insistir em manter-se nos sapatos que não lhe servem, caminhará cada vez menos, novos passos serão tão dolorosos... Se aceitar o inevitável, entender que seu sapato vermelho ainda é especial, mantido onde deve permanecer, nas lembranças e nas fotografias, estará pronta para novos desafios. Em breve poderá experimentar seu primeiro par de salto alto, e desfilará como uma mocinha. Poderá descobrir o prazer, que só uma mulher é capaz de entender, de entrar em uma sapataria, de admirar uma bela vitrine onde os mais variados modelos exibem-se, majestosos ou despojados. E desejá-los!
Pense em sua vida. Quais as ideias ultrapassadas que insiste em arrastar, como correntes, atrasando sua caminhada? Que tal uma bela faxina nos gaveteiros de sua mente? Há tanto por se renovar, não acha?
Beijos a todos,
Tati.