Por que há questões que são melhor respondidas com novas indagações!

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Somos todas, somos uma - Noções pessoais sobre o feminismo


Imagino que, sendo mulher, as questões feministas te avassalam de alguma forma. 
Sim, já fui daquelas que temiam o feminismo. E não entendia por que. Claro, há as questões sobre a forma como o feminismo é mistificado na sociedade machista e patriarcal, entretanto sendo uma pessoa questionadora seria simplista e ingênuo achar que era só este o fator. Eis que agora me percebo e quanto mais assumo a vida e a liberdade, mais me dou conta.
O feminismo me diz que sou livre, que posso ser o que eu quiser, que toda mulher tem os mesmos direitos que os homens. Isso contraria as noções sobre mim que me foram passadas quando criança, quando fui criada dentro de uma redoma de cuidados, com estigmas de frágil e delicada representando a feminilidade. A força da mulher relacionada à dedicação aos demais, aos pais, marido, filhos. Como romper com estas amarras que me libertam da responsabilidade por minhas próprias escolhas? 
É preciso estar muito determinada para assumir-se feminista. É preciso ter raça, é preciso ter gana sempre! 
Numa época convivi com um grupo de feministas, elas (sim, elas) se articulavam em um grande grupo de trabalho ao qual eu jamais fui incorporada. As participações estavam relacionadas à representação de organizações ou experiências. Eu não fazia parte. A experiência de ser mulher simplesmente não me habilitava a estar lá. E olha, se há uma coisa que representa a experiência de ser mulher é a dificuldade em participar das organizações e experiências. Em tempos de crise somos as primeiras a serem cortadas. Não nego que eram mulheres poderosas, porretas! Queria muito ter tido a oportunidade do convívio.  Naquela época não me reconhecia naquele espaço. Eu era feminista, só não sabia disso. Se soubesse o que sei hoje teria batalhado por meu espaço. Agora teria bons argumentos. 
Foi durante a gravidez do meu segundo filho que comecei a despertar para esta potência. E entendi a expressão que diz que certas portas só se abrem por dentro. Foi exatamente assim! Ouvindo, refletindo e... de repente... um clique. A porta estava aberta, escancarou-se aos poucos. Fui entendendo, me apropriando e sim, SOU FEMINISTA! COM ORGULHO E ARDOR! COM ÔNUS E BÔNUS! Quanto ônus... Fica difícil tolerar aquelas famosas "só uma piada", "só uma brincadeira". Perceber as correntes que nos prendem não é tarefa leve, mas é necessário nos movimentarmos ainda assim, ou principalmente por isso. Salve Rosa Luxemburgo! 
Nesta caminhada um pequeno grupo de mulheres se juntou, se reconheceu. Juntas temos trilhado um caminho tão bonito, que diria utópico se não o estivesse vivenciando na prática. Somos quase 20, apoiamos as dores e conquistas umas das outras. Somos uma aldeia! Não há disputas, não há hierarquia (há algo mais patriarcal do que a noção de hierarquia?). Somos acolhedoras, presentes, há delicadeza e verdade no convívio, no apoio. Com elas tenho vivenciado a experiência da empatia, da sororidade. Não são abstrações teóricas. São a práxis. 
Há muito a absorver, entender e incorporar melhor as noções de feminismo interseccional, que grupo de mulheres brancas que somos, ainda que nos sensibilize e também seja assunto de pauta, segue nas aspirações teóricas. Cadê representatividade? 
Quero finalizar dizendo que estas mulheres tem me dado suporte, e eu a elas. Tenho aprendido a amar aquilo que entendia como fraquezas femininas como parte do que sou, e muitas vezes, minhas fortalezas inexploradas. A maternidade é uma vivência plena com nossas reflexões em conjunto. Com o acolher dos prantos e risos. 
Toda mulher é feminista, algumas não sabem ou não estão dispostas a arcar com a força de sua própria liberdade. Suas asas estão podadas. E não é possível empoderar ninguém. Cada mulher empodera a si mesma. O que podemos é mostrar, pelo exemplo, que é possível viver um outro padrão. Aos poucos, cada uma no seu tempo e do seu jeito, vão se chegando. 

We can do it! 

Tati


quinta-feira, 4 de maio de 2017

Hotel Fazenda


Em tese um final de semana para quebrar a rotina, nos aproximar e gerar boas lembranças enquanto família, dar descanso e liberdade às crianças com experiências ao ar livre. Estes objetivos foram alcançados. Mas... Em meio ao planejamento (por que classe média precisa planejar com antecedência estas coisas) eis que surge uma greve. Uma greve muito necessária! Por que surge assim? Por que resolveram colocar em votação uma mudança absurda nas leis trabalhistas. A tal da reforma trabalhista, sem falar na temida reforma da previdência, que significam retrocesso e enormes perdas para a classe trabalhadora. Sim, classe média também está incluída aí, mesmo que não queira se enxergar neste lugar. E não é só isso. Somos parte de um todo. Ainda que não afetados diretamente há muitas pessoas que serão. Como ficar alheia a isso? 

Muita ponderação entre ir ou não ir. Vamos aderir à greve. Isso é certo! Mas como aderir e viajar para um hotel fazenda? Como não ir quando já está reservado e pago? Que difícil decisão... Fomos! Não sem dor na consciência. Liberamos nossa faxineira, com o dia pago. Hoje é dia de greve! As crianças não foram à escola. Hoje é greve! Nós não trabalhamos, estamos em greve. Mas... Demos trabalho aos funcionários do Hotel. Incoerências humanas.

E não sei se por que estamos mais sensíveis a estas questões, mas o final de semana foi bom e ao mesmo tempo de extremo desconforto. Ok, da outra vez que fomos já havíamos sentido isso, só que de forma mais branda. Desta vez o incômodo foi real, quase palpável.

O hotel é ótimo, comida deliciosa, atrações agradáveis, funcionários extremamente gentis, atenciosos, disponíveis, mas... EPA! Café da manhã servido a partir das 7h30 e equipe já a postos no trabalho. Seguem no almoço e no jantar, que vai até 21h. Quem está lá? Trabalhando, sorrindo, nos servindo? Os mesmos! As mesmas encantadoras e gentis pessoas. Mais de 14 horas, todos os dias. De sexta a segunda. Enquanto ficamos cansados de brincar e nos divertir eles trabalham sorrindo. Não há revezamento, não há turnos. Há uma equipe sempre a postos. Como dormem? Como comem? Quando descansam? Quando estão com suas famílias? O pior é perceber que a greve é para que não haja perda de direitos que parecem sequer ter chegado a este lugar! *

Fiz então um exercício que recomendo a todos, que é necessário ainda que não agradável: O teste do pescoço (conhece? clica aqui para mais). E quer saber? 90% (sem cálculos, só estimativa pelo olhar) dos hóspedes são brancos. 99% dos funcionários são negros. Sim, região do Vale do Paraíba. Herança do ciclo do café. Que difícil encarar meu privilégio branco, meu privilégio classe média. E agora? O que fazer com isso?

Daí vem a maior questão. A gente consegue perceber nosso privilégio. E dói na pele. Não tanto quanto deve doer não ter privilégios, nem sequer ter tido oportunidade de se questionar sobre não ter. Mas o que fazer com isso? Estamos dispostos a abrir mão dele em prol da equidade e justiça social?

Voltei com a ferida aberta. Ser simpática e respeitosa com estas pessoas que ali estavam a nosso serviço, mais de 12h por dia não é ser empática. Não há empatia se aceito que elas vivam assim, há? E o que fazer a respeito? Como mudar isso? Simplesmente não indo? Boicotando este tipo de turismo? Seria este o caminho? O que a gente conseguiria desta forma? Como mudar as leis trabalhistas? Não piorando o que já não era bom, o que questiono é como batalhar por leis mais justas, com a necessária reparação?

Sei que o que parecia um final de semana de relaxamento tornou-se um período de mergulho interno e intensa reflexão. Considero este desconforto bastante salutar. Queria estendê-lo aos demais hóspedes de alguma forma. Queria estendê-lo  aos demais brasileiros de alguma forma.

Então me lembrei desta ferramenta há tanto tempo esquecida e empoeirada. E pensei que talvez seja um ponto inicial. Abrir o espaço para conversa. Repensar quem nós somos, e o que pretendemos como sociedade. De igual para igual. De alguém que não tem este aprofundamento político nem esta leitura sociológica complexa, mas que sonha em mudar o mundo. E que pretende sair da utopia fútil, da ilusão classe média de “mais amor por favor dançando ciranda com comida orgânica na mesa do meu apartamento”.

Alguém mais quer conversar sobre isso?

O nome deste blog nunca fez tanto sentido para mim:  Perguntas em resposta. É tudo o que tenho neste momento e quero explorar mais isso na intenção de questionar e desconstruir.


Sejam bem vindas de volta! Sejam bem vindas as novas pessoas que se chegarem. Vamos juntas! 

Tati

*A não identificação do Hotel foi proposital. Não pretendo apontar um lugar específico quando imagino que esta seja uma prática comum a este tipo de ambiente. E que permeia nossa sociedade como um todo. Somos nós!