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quinta-feira, 4 de maio de 2017

Hotel Fazenda


Em tese um final de semana para quebrar a rotina, nos aproximar e gerar boas lembranças enquanto família, dar descanso e liberdade às crianças com experiências ao ar livre. Estes objetivos foram alcançados. Mas... Em meio ao planejamento (por que classe média precisa planejar com antecedência estas coisas) eis que surge uma greve. Uma greve muito necessária! Por que surge assim? Por que resolveram colocar em votação uma mudança absurda nas leis trabalhistas. A tal da reforma trabalhista, sem falar na temida reforma da previdência, que significam retrocesso e enormes perdas para a classe trabalhadora. Sim, classe média também está incluída aí, mesmo que não queira se enxergar neste lugar. E não é só isso. Somos parte de um todo. Ainda que não afetados diretamente há muitas pessoas que serão. Como ficar alheia a isso? 

Muita ponderação entre ir ou não ir. Vamos aderir à greve. Isso é certo! Mas como aderir e viajar para um hotel fazenda? Como não ir quando já está reservado e pago? Que difícil decisão... Fomos! Não sem dor na consciência. Liberamos nossa faxineira, com o dia pago. Hoje é dia de greve! As crianças não foram à escola. Hoje é greve! Nós não trabalhamos, estamos em greve. Mas... Demos trabalho aos funcionários do Hotel. Incoerências humanas.

E não sei se por que estamos mais sensíveis a estas questões, mas o final de semana foi bom e ao mesmo tempo de extremo desconforto. Ok, da outra vez que fomos já havíamos sentido isso, só que de forma mais branda. Desta vez o incômodo foi real, quase palpável.

O hotel é ótimo, comida deliciosa, atrações agradáveis, funcionários extremamente gentis, atenciosos, disponíveis, mas... EPA! Café da manhã servido a partir das 7h30 e equipe já a postos no trabalho. Seguem no almoço e no jantar, que vai até 21h. Quem está lá? Trabalhando, sorrindo, nos servindo? Os mesmos! As mesmas encantadoras e gentis pessoas. Mais de 14 horas, todos os dias. De sexta a segunda. Enquanto ficamos cansados de brincar e nos divertir eles trabalham sorrindo. Não há revezamento, não há turnos. Há uma equipe sempre a postos. Como dormem? Como comem? Quando descansam? Quando estão com suas famílias? O pior é perceber que a greve é para que não haja perda de direitos que parecem sequer ter chegado a este lugar! *

Fiz então um exercício que recomendo a todos, que é necessário ainda que não agradável: O teste do pescoço (conhece? clica aqui para mais). E quer saber? 90% (sem cálculos, só estimativa pelo olhar) dos hóspedes são brancos. 99% dos funcionários são negros. Sim, região do Vale do Paraíba. Herança do ciclo do café. Que difícil encarar meu privilégio branco, meu privilégio classe média. E agora? O que fazer com isso?

Daí vem a maior questão. A gente consegue perceber nosso privilégio. E dói na pele. Não tanto quanto deve doer não ter privilégios, nem sequer ter tido oportunidade de se questionar sobre não ter. Mas o que fazer com isso? Estamos dispostos a abrir mão dele em prol da equidade e justiça social?

Voltei com a ferida aberta. Ser simpática e respeitosa com estas pessoas que ali estavam a nosso serviço, mais de 12h por dia não é ser empática. Não há empatia se aceito que elas vivam assim, há? E o que fazer a respeito? Como mudar isso? Simplesmente não indo? Boicotando este tipo de turismo? Seria este o caminho? O que a gente conseguiria desta forma? Como mudar as leis trabalhistas? Não piorando o que já não era bom, o que questiono é como batalhar por leis mais justas, com a necessária reparação?

Sei que o que parecia um final de semana de relaxamento tornou-se um período de mergulho interno e intensa reflexão. Considero este desconforto bastante salutar. Queria estendê-lo aos demais hóspedes de alguma forma. Queria estendê-lo  aos demais brasileiros de alguma forma.

Então me lembrei desta ferramenta há tanto tempo esquecida e empoeirada. E pensei que talvez seja um ponto inicial. Abrir o espaço para conversa. Repensar quem nós somos, e o que pretendemos como sociedade. De igual para igual. De alguém que não tem este aprofundamento político nem esta leitura sociológica complexa, mas que sonha em mudar o mundo. E que pretende sair da utopia fútil, da ilusão classe média de “mais amor por favor dançando ciranda com comida orgânica na mesa do meu apartamento”.

Alguém mais quer conversar sobre isso?

O nome deste blog nunca fez tanto sentido para mim:  Perguntas em resposta. É tudo o que tenho neste momento e quero explorar mais isso na intenção de questionar e desconstruir.


Sejam bem vindas de volta! Sejam bem vindas as novas pessoas que se chegarem. Vamos juntas! 

Tati

*A não identificação do Hotel foi proposital. Não pretendo apontar um lugar específico quando imagino que esta seja uma prática comum a este tipo de ambiente. E que permeia nossa sociedade como um todo. Somos nós!