Estou aqui ainda digerindo os últimos acontecimentos. A onda de terror no Rio de Janeiro e a intervenção do Estado no Complexo do Alemão. Foram cenas chocantes demais, tantos sentimentos passaram por mim ao mesmo tempo. Queria que todos aqueles bandidos em fuga fossem punidos devidamente antes que eles chegassem nas casas e se misturassem com as pessoas honestas. Me controlei para não chorar quando vi aquelas pessoas pedindo paz com tecidos brancos nas janelas. Num outro momento, enquanto lavava a louça do almoço me lembrei de quando era adolescente e de um episódio de preconceito racial que sofri. Aliás, acho que sempre que me sinto fragilizada me lembro disso. Fui convidada para uma festa por um amigo de outra turma do colégio, não conhecia ninguém além dele, apesar de frequentarmos o mesmo colégio. Um rapaz branco se interessou por mim e ficamos juntos. Isso causou indignação nos amigos dele. Dormimos todos nesta casa, ao irmos embora no outro dia, ninguém falava comigo, nem mesmo o rapaz que eu havia ficado. Foi um momento muito difícil, não posso dizer que foi traumático, porque eu tinha certeza que tinha sido muito bom para os dois e ele havia gostado de mim, só não agüentou a pressão dos amigos. Enfim, contei essa história, porque isso me lembra do preconceito de raça e de outros tantos preconceitos que sofremos e que muitas vezes ficam velados. Eu realmente não penso muito nisso... Eu estudei, me formei, conheci Marx, Rousseau, Freud, me casei, tenho uma boa casa... Quando penso na minha história, dentre outras músicas, lembro daquela música do Chico Buarque “... Hoje o samba saiu La La laia procurando você, quem te viu, quem te vê...” Tenho o samba em minhas veias, mas você não me encontra mais na quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel, talvez uma vez por ano eu vá à feijoada da mangueira, sábado à tarde. Assim como o samba, a desigualdade, a covardia, o preconceito também estão na minha corrente sanguínea. Eu sei o que aquelas pessoas estavam passando. Sei o que é não ter liberdade, não ter posses, não ter garantias de sua propriedade privada nem de sua própria vida. Há séculos atrás Rousseau discutia o Contrato Social, dando ênfase a proteção da propriedade privada. Isso nos dias de hoje não é mais objeto de preocupação ou estudo para a maioria de nós, simplesmente é. Se você compra algo, isso é seu e ponto final, existe papéis que comprovam as suas posses. Nas favelas isso não existe, o bandido ou o miliciano pode simplesmente tomar a sua casa ou até acabar com a sua vida. Não sei se todos compartilham esse sentimento, mas eu sei o que é, simplesmente está aqui. Não estou com isso, sentindo pena de mim, também carrego comigo aquele sentimento da certeza de que sou amada, de que aquele rapaz me desejou porque eu sou bonita e especial, isso também corre nas minhas veias. O que eu realmente desejo é que isso acabe, que as pessoa possam ter a posse de suas vidas e de suas casas. Que o Estado construído por todos nós, nos dê esta garantia. Pensei naquela frase do Rousseau “o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado”, ele coloca como se o homem nascesse bom e a sociedade o corrompesse. Eu realmente acredito que seria muito bom que todos fossem vistos pelos olhos do meu filho, para ele todos são marrons, o pai é marrom claro e eu sou marrom escuro. Mas aí eu não seria Psicanalista, e acreditaria que “todo homem é essencialmente virtuoso” como este Grande Pensador clássico. Portanto, acho que a única saída é continuar acreditando e construindo um Estado forte, uma polícia honesta, leis e punições, papéis e firmas reconhecidas. Desejo que todo favelado faça parte de toda burocracia a que todos tem direito e dever e que tenham principalmente a posse de suas casas, suas vidas, televisão, som, escola, saúde...
É isso que penso sobre a violência, sobre a desigualdade, e foi isso que eu senti naquele momento. Um fato tão chocante como esse sempre nos remete a outros momentos de nossas vidas. Comigo foi assim e com vocês?
E começaram as aulas!!! isso significa que terei mais tempo para retribuir as visitas. Aproveito para mandar um abraço especial para minha colega Norma Emiliano e dizer que seu blog mora no "meus favoritos" há muito tempo e tenho uma enorme admiração por você e pelo seu trabalho. Bjs a todos
Alessandra