Por que há questões que são melhor respondidas com novas indagações!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tirando o véu

Olá amigos. Saudade de vocês!!! esse negócio vicia e já criei coragem de criar o meu blog. Ele já está em construção, mas por enquanto vou ficando por aqui, já que me sinto tão aconchegada. Escrevi este texto há algum tempo, logo depois da intervenção da polícia no morro do alemão. Foi este texto que me fez estar aqui, o enviei para Tati e outros dois amigos somente como um desabafo. Daí a Tati gostou e me ofereceu este espaço no blog para postar minhas idéias. Depois de muito resistir decidi aceitar. Uma outra grande resistência era postá-lo aqui, porque ele traz muitas questões pessoais. Tentei em vão mudá-lo, claro que não deu certo. O apresento então na íntegra.


Estou aqui ainda digerindo os últimos acontecimentos. A onda de terror no Rio de Janeiro e a intervenção do Estado no Complexo do Alemão. Foram cenas chocantes demais, tantos sentimentos passaram por mim ao mesmo tempo. Queria que todos aqueles bandidos em fuga fossem punidos devidamente antes que eles chegassem nas casas e se misturassem com as pessoas honestas. Me controlei para não chorar quando vi aquelas pessoas pedindo paz com tecidos brancos nas janelas. Num outro momento, enquanto lavava a louça do almoço me lembrei de quando era adolescente e de um episódio de preconceito racial que sofri. Aliás, acho que sempre que me sinto fragilizada me lembro disso. Fui convidada para uma festa por um amigo de outra turma do colégio, não conhecia ninguém além dele, apesar de frequentarmos o mesmo colégio. Um rapaz branco se interessou por mim e ficamos juntos. Isso causou indignação nos amigos dele. Dormimos todos nesta casa, ao irmos embora no outro dia, ninguém falava comigo, nem mesmo o rapaz que eu havia ficado. Foi um momento muito difícil, não posso dizer que foi traumático, porque eu tinha certeza que tinha sido muito bom para os dois e ele havia gostado de mim, só não agüentou a pressão dos amigos. Enfim, contei essa história, porque isso me lembra do preconceito de raça e de outros tantos preconceitos que sofremos e que muitas vezes ficam velados. Eu realmente não penso muito nisso... Eu estudei, me formei, conheci Marx, Rousseau, Freud, me casei, tenho uma boa casa... Quando penso na minha história, dentre outras músicas, lembro daquela música do Chico Buarque “... Hoje o samba saiu La La laia procurando você, quem te viu, quem te vê...” Tenho o samba em minhas veias, mas você não me encontra mais na quadra da Mocidade Independente de Padre Miguel, talvez uma vez por ano eu vá à feijoada da mangueira, sábado à tarde. Assim como o samba, a desigualdade, a covardia, o preconceito também estão na minha corrente sanguínea. Eu sei o que aquelas pessoas estavam passando. Sei o que é não ter liberdade, não ter posses, não ter garantias de sua propriedade privada nem de sua própria vida. Há séculos atrás Rousseau discutia o Contrato Social, dando ênfase a proteção da propriedade privada. Isso nos dias de hoje não é mais objeto de preocupação ou estudo para a maioria de nós, simplesmente é. Se você compra algo, isso é seu e ponto final, existe papéis que comprovam as suas posses. Nas favelas isso não existe, o bandido ou o miliciano pode simplesmente tomar a sua casa ou até acabar com a sua vida. Não sei se todos compartilham esse sentimento, mas eu sei o que é, simplesmente está aqui. Não estou com isso, sentindo pena de mim, também carrego comigo aquele sentimento da certeza de que sou amada, de que aquele rapaz me desejou porque eu sou bonita e especial, isso também corre nas minhas veias. O que eu realmente desejo é que isso acabe, que as pessoa possam ter a posse de suas vidas e de suas casas. Que o Estado construído por todos nós, nos dê esta garantia. Pensei naquela frase do Rousseau “o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado”, ele coloca como se o homem nascesse bom e a sociedade o corrompesse. Eu realmente acredito que seria muito bom que todos fossem vistos pelos olhos do meu filho, para ele todos são marrons, o pai é marrom claro e eu sou marrom escuro. Mas aí eu não seria Psicanalista, e acreditaria que “todo homem é essencialmente virtuoso” como este Grande Pensador clássico. Portanto, acho que a única saída é continuar acreditando e construindo um Estado forte, uma polícia honesta, leis e punições, papéis e firmas reconhecidas. Desejo que todo favelado faça parte de toda burocracia a que todos tem direito e dever e que tenham principalmente a posse de suas casas, suas vidas, televisão, som, escola, saúde...

É isso que penso sobre a violência, sobre a desigualdade, e foi isso que eu senti naquele momento. Um fato tão chocante como esse sempre nos remete a outros momentos de nossas vidas. Comigo foi assim e com vocês?
E começaram as aulas!!! isso significa que terei mais tempo para retribuir as visitas. Aproveito para mandar um abraço especial para minha colega Norma Emiliano e dizer que seu blog mora no "meus favoritos" há muito tempo e tenho uma enorme admiração por você e pelo seu trabalho. Bjs a todos
Alessandra

10 comentários:

Caca disse...

Oi, Alessandra.Eu quero lhe dizer que abomino toda e qualquer espécie de discriminação, de humilhação e daquilo que chamo de "desmerecimento humano" que está se tornando tão comum e banalizado no nosso cotidiano. Só quero discordar quanto às origens de tudo isso. Eu acho que a responsabilidade por toda a diferenciação social humana histórica só aconteceu por causa do estabelecimento da propriedade privada. Foi , a partir dela que o homem se achou melhor do que o outro, mais poderoso, mais capaz, mais prepotente, mais desumano. Mas isso é uma longa história e acho que nem se discute mais. Gostei muito do texto. Meu abraço fraterno. Paz e bem.

chica disse...

Teu texto é profundo e forte e infelizmente esse tema existe ainda entre nós. Pena! E teu blog vai sair do forno? Avisa!beijos,chica

Analice disse...

é grandioso essa forma de expressão...

na verdade, as coisas as vezes nem estão assim tão veladas como dessa fez que sofreu...

mas acredito que precisamos mesmo acreditra e que mesmo que nos pareça longe continuar trabalhando ao nosso modo, mas exigindo sim dos governantes...

um otimo dia,

Bordados e Retalhos disse...

Alessandra é a primeira vez que escrevo pra você diretamente. É que sempre escrevi pra Tati, sempre entrei nesse blog apaixonante, que me encanta com as palavras e com a postura diante da vida. Hoje o seu texto mexeu muito comigo. Seja pelas suas experiências de vida, boas (como o estudo e as conquitas), seja pelas nem tão boas, como o preconceito vivido. Acho que o caso da violência no RJ tem que ser enfrentado firmemente e concordo que o Estado tenha que cumprir seu papel, caso contrário, nenhuma ocupação dará certo. Espero sinceramente que UPP's e todos os programas de enfrentamento da situação ultrapassem a preocupação com Olimpíadas, Copa do Mundo e Turismo. O cidadão, pobre, que trabalha, que luta pra (sobre)viver seja a prioridade dos projetos. Só assim teremos, como vc mesmo disse, um mundo melhor.
O que mais me encantou no seu texto, foi a docilidade que usou (acho que característica sua) para tratar de assunto tão complicado e pesado. Parabéns!!Bjs

Bloguinho da Zizi disse...

Como dizia Einstein:
Triste época!
É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.

Aguardo teu blog menina.
Beijinhos

Tati disse...

Alê, estou tão feliz que tomou coragem de publicar este texto. Lembro do quanto ele mexeu comigo quando o li, no e-mail.
Parabéns, amiga! Você é incrível e minha admiração só cresce.
Um beijo.

Mari Hart disse...

Nossa!! Forte e verdadeiro!

Acho que todo mundo na vida já sofreu algum tipo de preconceito, seja por ser negro, pobre, rico, bonito demais, branco demais, gordo, muito magro... infelizmente!

Para mim o preconceito é um dos sentimentos mais desprezíveis da face da terra, mas por mais que digamos que não temos, se parar pra pensar profundmente, todo mundo é um pouco preconceituoso.

Sofro precocneito todos os dias no olhar de pena das pessoas para meu filho mas já aprendi a lidar senão ñao vivo!

Bjo e cadê o blog?!

Mari Hart disse...

Nossa!! Forte e verdadeiro!

Acho que todo mundo na vida já sofreu algum tipo de preconceito, seja por ser negro, pobre, rico, bonito demais, branco demais, gordo, muito magro... infelizmente!

Para mim o preconceito é um dos sentimentos mais desprezíveis da face da terra, mas por mais que digamos que não temos, se parar pra pensar profundmente, todo mundo é um pouco preconceituoso.

Sofro precocneito todos os dias no olhar de pena das pessoas para meu filho mas já aprendi a lidar senão ñao vivo!

Bjo e cadê o blog?!

pensandoemfamilia disse...

Olá Alessandra

Em seu texto impressiona a transparência dos seus sentimentos e sua delicadeza ao tratar de temas tão fortes.
É adominável todo tipo de discriminação e de violência e admirável seu relato ao transpor os obstaáculos.
Obrigada por fazer menção ao meu espaço e, em breve, certamente teremos o seu fortalecendo a nossa categoria profissional.

bjs,

Lúcia Soares disse...

Alessandra, porque não pensamos que o preconceituoso é que é o "defeituoso"? Ele é que é deveria ser alvo da nossa compaixão!
Mas quanto pode nos ferir uma palavra mal dita, um olhar mal dado, um afastamento por um motivo tão cruel quanto a cor ou a situação financeira,por ex.
Tenho preconceitos, sim, enraizados por uma educação antiga, mas que luto por tirar da minha vida diariamente.
Jamais discriminei alguém pela cor ou pela posição social.
Discrimo o ignorante, seja ele branco, negro, pobre, rico.
Ignorante não de iletrado, mas de ignorar mesmo as coisas e passar por cima de tudo e/ou todos que cruzem seu caminho.
Espero notícias do seu blog!
beijos!