A recenceadora passou aqui em casa. Por duas semanas vi sua foto no elevador. Fui me afeiçoando a ela nas chegadas e saídas, no passeio entre os andares. Já conhecia seu sorriso e seu nome. Aguardei, com expectativa que meu dia chegasse.
Eis que toca o interfone, o porteiro me perguntando se poderia atendê-la. Mas é claro! Se já não podia mais esperar!
Enquanto aguardava a campainha, coloquei a água no fogo. Um café cairia bem neste meio de tarde, na conversa intima e informal. Íntima sim, vinha ensaiando tantas coisas para que ela soubesse quem eu era, quem era minha família. Só assim podemos conhecer um país, conhecendo seus cidadãos, não é isso?
Estava ansiosa, será que saberia responder a tudo? Quantos pares de sapato há em meu guarda-roupas? Quantas colheres de arroz por refeição? Qual a última vez que fiz meu preventivo? Me sinto satisfeita com os serviços públicos? Tenho satisfação pessoal? Como me sinto em relação à minha colocação profissional? Acho que meu salário é justo? Para onde fui nas últimas férias? Qual meu signo? Combina com o do marido?O que não pode faltar em minha bolsa? Enfim, coisas fundamentais de relatar.
Então entrou a Selma aqui em casa, uma simpatia, recebi com sorriso. Ela chegou rápido demais e só tive tempo de desligar o fogo. Nada de café fresquinho... Não podia chamá-la para a cozinha por que aprendi no Feng Shui que na cozinha e na área de serviço só pessoas com muita intimidade (é que naquela época não devia haver empregadas domésticas e, muito menos, faxineiras semanais na China, como é até hoje, pelo que sei). Nada de cozinha para a recenceadora. Ela deveria acreditar quando eu dissesse que meu fogão era de 4 bocas e quando relatasse o que comi na minha última refeição.
Sentou-se em uma cadeira, na sala. Sentei em frente. Tirou um palm top e conferiu o endereço. Fez meia dúzia de perguntas que não diziam quase nada sobre mim e minha família, não dizia nada sobre quem somos. Quantos banheiros nós temos? Quantas pessoas moram na casa, mas não quem são estas pessoas, ou o que representamos uns para os outros... Eu perguntei: "Mas já?" E ela: "É, você não foi sorteada para o expandido."
Tentei disfarçar a decepção... Como assim?
Ela sabe que a coleta de lixo, no meu prédio, é seletiva. Isso por que eu gosto de conversar e ela se interessa pelo assunto. Esta informação jamais chegará ao IBGE. Morre na recenceadora, que me contou coisas sobre ela também. Informações que não estão incluídas nas perguntas do palm, portanto não estarão nas estatísticas...
Tanto alarde da FEB se nos indicaríamos espíritas ou kardecistas e ela nem mesmo quis saber se acredito em Deus!!!
Minha nova amiga foi embora, sem sequer tornar-se uma conhecida. Hoje, se nos cruzarmos na rua, serei cordial. Quando receber o resultado do Censo, saberei que não estou ali retratada. Você está? Será que ficar tanto tempo sozinha neste apartamento está me deixando carente? hehehe
Minha nova amiga foi embora, sem sequer tornar-se uma conhecida. Hoje, se nos cruzarmos na rua, serei cordial. Quando receber o resultado do Censo, saberei que não estou ali retratada. Você está? Será que ficar tanto tempo sozinha neste apartamento está me deixando carente? hehehe
Beijos a todos,
Tati.