Em tese um final de semana para
quebrar a rotina, nos aproximar e gerar boas lembranças enquanto família, dar
descanso e liberdade às crianças com experiências ao ar livre. Estes objetivos
foram alcançados. Mas... Em meio ao planejamento (por que classe média precisa
planejar com antecedência estas coisas) eis que surge uma greve. Uma greve
muito necessária! Por que surge assim? Por que resolveram colocar em votação
uma mudança absurda nas leis trabalhistas. A tal da reforma trabalhista, sem falar na temida reforma da previdência, que
significam retrocesso e enormes perdas para a classe trabalhadora. Sim, classe
média também está incluída aí, mesmo que não queira se enxergar neste lugar. E não é só isso. Somos parte de um todo. Ainda que não afetados diretamente há muitas pessoas que serão. Como ficar alheia a isso?
Muita ponderação entre ir ou não
ir. Vamos aderir à greve. Isso é certo! Mas como aderir e viajar para um hotel
fazenda? Como não ir quando já está reservado e pago? Que difícil decisão...
Fomos! Não sem dor na consciência. Liberamos nossa faxineira, com o dia pago.
Hoje é dia de greve! As crianças não foram à escola. Hoje é greve! Nós não
trabalhamos, estamos em greve. Mas... Demos trabalho aos funcionários do Hotel.
Incoerências humanas.
E não sei se por que estamos mais
sensíveis a estas questões, mas o final de semana foi bom e ao mesmo tempo de
extremo desconforto. Ok, da outra vez que fomos já havíamos sentido isso, só
que de forma mais branda. Desta vez o incômodo foi real, quase palpável.
O hotel é ótimo, comida
deliciosa, atrações agradáveis, funcionários extremamente gentis, atenciosos,
disponíveis, mas... EPA! Café da manhã servido a partir das 7h30 e equipe já a
postos no trabalho. Seguem no almoço e no jantar, que vai até 21h. Quem está
lá? Trabalhando, sorrindo, nos servindo? Os mesmos! As mesmas encantadoras e
gentis pessoas. Mais de 14 horas, todos os dias. De sexta a segunda. Enquanto
ficamos cansados de brincar e nos divertir eles trabalham sorrindo. Não há
revezamento, não há turnos. Há uma equipe sempre a postos. Como dormem? Como
comem? Quando descansam? Quando estão com suas famílias? O pior é perceber que a greve é para que não haja perda de direitos que parecem sequer ter chegado a este lugar! *
Fiz então um exercício que recomendo a todos, que é necessário ainda que não agradável: O
teste do pescoço (conhece? clica aqui para mais). E quer saber? 90% (sem cálculos, só estimativa pelo olhar)
dos hóspedes são brancos. 99% dos funcionários são negros. Sim, região do Vale
do Paraíba. Herança do ciclo do café. Que difícil encarar meu privilégio
branco, meu privilégio classe média. E agora? O que fazer com isso?
Daí vem a maior questão. A gente
consegue perceber nosso privilégio. E dói na pele. Não tanto quanto deve doer
não ter privilégios, nem sequer ter tido oportunidade de se questionar sobre
não ter. Mas o que fazer com isso? Estamos dispostos a abrir mão dele em prol
da equidade e justiça social?
Voltei com a ferida aberta. Ser simpática
e respeitosa com estas pessoas que ali estavam a nosso serviço, mais de 12h por
dia não é ser empática. Não há empatia se aceito que elas vivam assim, há? E o que
fazer a respeito? Como mudar isso? Simplesmente não indo? Boicotando este tipo
de turismo? Seria este o caminho? O que a gente conseguiria desta forma? Como
mudar as leis trabalhistas? Não piorando o que já não era bom, o que questiono é como
batalhar por leis mais justas, com a necessária reparação?
Sei que o que parecia um final de
semana de relaxamento tornou-se um período de mergulho interno e intensa
reflexão. Considero este desconforto bastante salutar. Queria estendê-lo aos
demais hóspedes de alguma forma. Queria estendê-lo aos demais brasileiros de alguma forma.
Então me lembrei desta ferramenta
há tanto tempo esquecida e empoeirada. E pensei que talvez seja um ponto
inicial. Abrir o espaço para conversa. Repensar quem nós somos, e o que
pretendemos como sociedade. De igual para igual. De alguém que não tem este
aprofundamento político nem esta leitura sociológica complexa, mas que sonha em
mudar o mundo. E que pretende sair da utopia fútil, da ilusão classe média de
“mais amor por favor dançando ciranda com comida orgânica na mesa do meu
apartamento”.
Alguém mais quer conversar sobre
isso?
O nome deste blog nunca fez tanto
sentido para mim: Perguntas em resposta. É tudo o que tenho neste momento e
quero explorar mais isso na intenção de questionar e desconstruir.
Sejam bem vindas de volta! Sejam
bem vindas as novas pessoas que se chegarem. Vamos juntas!
Tati
*A não identificação do Hotel foi proposital. Não pretendo apontar um lugar específico quando imagino que esta seja uma prática comum a este tipo de ambiente. E que permeia nossa sociedade como um todo. Somos nós!
Um comentário:
Pois é, é o tal do sentimento de culpa que acontece que presenciamos pessoas que estão em situação "inferior" e, nós, numa condição mais confortável que essas pessoas.
Por te conhecer tão bem, pude entender bem toda sua angústia.
Realmente, estávamos nos divertindo enquanto muitos estavam tomando tiros de borracha no Rio. Lutando pelos nossos direitos. É difícil assimilar toda a amplitude do que está acontecendo no Brasil. Só dá para sentir essa angústia por nós e, principalmente, por esses brasileiros que estão fora do emprego ou estão com um emprego que não os tratam com o respeito necessário.
Não vamos resolver nada sofrendo dessa maneira. O mundo não vai acabar agora. O amanhã nos dá a oportunidade de escrever uma nova historia.
Vamos rever nossa forma de pensar e agir dentro desta visão.
Os trabalhadores, os desempregados, os índios, refugiados e tantos outros grupos menos favorecidos merecem nossa atenção e ajuda.
Vamos começar com a discussão e vamos abraçar aqueles que estão precisando da nossa ajuda.
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